sábado, 7 de novembro de 2009

Em 1967 uma exposição do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque intitulada “New York Five Architects” apresentava obras de cinco arquitetos nova-iorquinos selecionados e organizados por Arthur Drexler. Estes cinco arquitetos, que são Peter Eisenman, Michael Graves, Charles Gwathmey, John Hejduk e Richard Meier, apresentavam em comum o trabalho com formas puras vinculadas ao modernismo, uma espécie de reinterpretação da sintaxe das figuras históricas do Movimento Moderno. Cada um desses arquitetos, apesar de buscarem a origem de seus trabalhos na mesma fonte, o modernismo, se diferem quanto às referências adotadas, com isso, todos eles seguem uma evolução própria a partir da reivindicação da atualidade dos pressupostos formais modernos em detrimento dos estilismos e referências pós-modernas, causando uma reflexão sobre a linguagem arquitetônica.
Um arquiteto que se destaca deste grupo, sobretudo, por suas idéias e teorias é Peter Eisenman. Sua arquitetura, fundamentada na filosofia de Freud, Foucault e Derrida, em artistas minimalistas como Donald Judd e em arquitetos modernistas que trabalhavam com geometrias puras como Louis Kahn e Le Corbusier, procurava questionar o código da arquitetura, desde sua representação até a própria disciplina em si.
Eisenman desenvolverá, portanto, uma arquitetura baseada na forma pela forma, seguindo o pressuposto de que ela parte da radical separação entre as escalas do homem e do mundo autônomo de formas geométricas, realizando obras de total abstração que tomam como referência pautas da arte conceitual, onde o processo do projeto é mais interessante que a obra ou produto final. A arquitetura para ele não deve ter significado, deve ser livre de qualquer pretensão pragmática e semântica, representacional ou racional, deve apenas ser signo de si própria, autônoma. Ele discute o método e a linguagem, as convenções de representação e do próprio processo de projetar.










Em suas teorias sobre a arquitetura, Peter Eisenman afirma, sobretudo, que a Arquitetura Moderna nunca existiu. Essa alegação fica explicita em um editorial escrito em 1976 para a revista Oppositions, do I.A.U.S., cujo era diretor na época, onde ele discorda do termo “pós-modernismo”, já que para ele a arquitetura moderna não existiu, baseando-se no fato de que a relação entre forma e função pregada no modernismo como uma revolução é uma característica definidora na arquitetura desde o renascimento.
A arquitetura humanista do renascimento procurou um equilíbrio entre a distribuição programática e a “articulação formal de temas ideais”, que é chamada de tipologia, porém, com a industrialização surgiram novas funções que as soluções tipológicas se tornaram inadequadas, ocasionando no predomínio da função no partido arquitetônico, o que se consagrou na máxima “a forma segue a função”. Para ele, o funcionalismo do século XX é uma extensão das crenças humanistas e, portanto, não é verdadeiramente moderno. Mesmo que o modernismo cultural tenha reconhecido o fim do humanismo e do antropocentrismo, a arquitetura ainda não assimilou tais mudanças. Para manifestar na arquitetura a “sensibilidade modernista” seria preciso romper com a função como princípio fundador.
Sua alternativa ao pós-modernismo é o chamado pós-funcionalismo, que preconiza uma dialética entre a tipologia humanista e a fragmentação de formas típicas em signos. O funcionalismo, ou modernismo, passou a idéia de representar uma ruptura com o passado pré-industrial por se caracterizar pelas formas desnudas da produção tecnológica, mas para Eisenman, o funcionalismo é apenas uma fase tardia do humanismo e não uma alternativa a ele.
Em sua teoria, a arquitetura não participou nem compreendeu os aspectos fundamentais da mudança do humanismo ao modernismo presente em várias áreas no século XIX por estar presa aos princípios da função, o que limita suas possibilidades e evolução.
Desde o século XV a arquitetura teve a influência de três “ficções”, que são a representação, que deveria materializar a idéia de significado; a razão, que devia codificar a idéia de verdade; e a história, que devia resgatar a idéia de eternidade a partir da idéia de mudança. Antes do renascimento uma igreja gótica ou românica tinham seu significado em si, já o valor dos edifícios renascentistas e de seus sucessores que se pretendiam “arquitetura” provinha do fato de representar uma arquitetura anterior já dotada de valor.
A arquitetura moderna pretendeu romper com a ficção renascentista de representação, dizendo que a arquitetura não devia mais representar outra de um período anterior, mas sim, apenas corporificar sua determinada função. O modernismo introduziu a idéia de que a arquitetura deveria expressar em sua forma sua função, dessa maneira, para Eisenman, a arquitetura moderna aproximava-se do estilo clássico, havendo apenas um processo de redução e abstração, assim uma coluna que antes era adornada e torneada, agora é lisa, se aproximando mais da coluna “real” que teria o papel simplesmente de estrutura, e não de ornamento.
No entanto, percebeu-se que o funcionalismo acabou se mostrando como mais uma solução estilística. A arquitetura moderna falhou na concretização de um novo valor, pois, ao tentar reduzir a forma arquitetônica à sua essência, a uma realidade pura, os modernos imaginaram que estavam transformando o campo da figuração de referencias em “objetividade não-referencial”, porém, suas formas objetivas nunca abandonaram a tradição clássica quanto a referencias, a forma clássica que antes se referia a motivos da natureza em suas formas e adornos, no modernismo se refere a um novo conjunto de pressupostos como a função, a tecnologia e as máquinas. Os pontos de referencia mudaram, mas as conseqüências disso para o objeto são as mesmas.
Eisenman então entende que o classicismo e o modernismo são momentos contínuos na história. Em um trecho de seu texto “O fim do clássico: o fim do começo, o fim do fim” de 1984 ele declara que:

“Compreender o classicismo e o modernismo como momentos de um mesmo ‘continuum’ histórico leva, portanto, à conclusão de que, nem na representação, nem na razão, nem na história, há valores auto-evidentes que ainda possam conferir legitimidade ao objeto. A perda de valores auto-evidentes faz com que o intemporal seja liberado do significado e do verdadeiro. Permite compreender que não há uma verdade única (uma verdade intemporal) ou um significado único (um significado intemporal), mas tão somente o intemporal. (...) Com essa ruptura, perde importância saber se as origens são naturais, divinas ou funcionais e, dessa forma, não há mais necessidade de produzir uma arquitetura clássica – isto é, eterna – apelando aos valores clássicos inerentes à representação, à razão e à história”

O que Eisenman propõe não é a convenção de um novo modelo para a arquitetura, já que isso é o que ele mais rejeita, dizendo que todos os modelos são fúteis. O que ele propõe é uma expansão além das limitações proporcionadas pelo modelo clássico à concretização da arquitetura como um discurso independente, isento de qualquer valor externo. Ele procura uma arquitetura como “escrita”, como signo de si mesma, em oposição à arquitetura como “imagem”, como alusão a outro objeto, arquitetural ou não. Arquitetura para ele deve ser invenção de formas sem contexto algum, fundado no vazio.

A arquitetura para Eisenman teria que ser uma pesquisa formal, de símbolos e abstrações, uma eterna experiência, e o simples trabalho em escritório seria uma forma de banalizá-la, para ele o trabalho com a arquitetura deveria se caracterizar pela pesquisa teórica e pela discussão.
O processo projetual, o percurso da concepção, para ele, é muito mais importante que o objeto final construído. Suas dez primeiras casas, que são basicamente experiências formais, são apenas fases desse processo. Em vez de o desenho anunciar a obra, agora é a obra que está a serviço do entendimento do projeto, o produto final, então, serve para ilustrar o processo, as elevações, as plantas e os cortes, a materialização do projeto é apenas mais uma fase.
Os resultados a que Eisenman chega não são volumes puros e nem tem a pretensão de ser algo habitual e familiar, são formas quebradas, planos e linhas interseccionados formando vãos e volumes fragmentados, o que alguns críticos caracterizam como uma arquitetura “descontrutivista”.
A Casa VI, por exemplo, é o resultado da interseção e fragmentação de planos. Nesta casa há uma escada vermelha sobreposta perpendicularmente a uma escada verde real, como se fosse um negativo. Tal ambiente confunde os pontos de referencia do indivíduo que ali se encontra, lembrando até um quadro de Esher.
As experimentações formais acompanham a obra de Eisenman em todas as suas casas. Sua arquitetura fechada em si mesma e simplesmente formalista gerou muita polêmica, chegando à afirmação de Otilia Arantes de que suas casas caracterizariam uma “arquitetura em abismo, labiríntica, espaços incompletos, formas gratuitas, sem função, quando muito destinadas a provocar no observador um sentimento de estranheza e, no usuário desprevenido, a curiosa convicção de ser um intruso.”

  • ARANTES, O. O Lugar da Arquitetura Depois dos Modernos. São Paulo: Edusp. 1995;
  • CURTIS,W. Arquitetura Moderna desde 1900. tradução de Alexandre Salvaterra. 3 ed. Porto Alegre: Bookman, 2008;
  • MONTANER, J.M. Después del Movimento Moderno. Barcelona; Gustavo Gili, 1995;
  • NESBITT, K. Uma Nova Agenda da Arquitetura:Antologia Teórica. tradução de Vera Pereira. São Paulo: Cosac Naify, 2006;
  • SAGGIO, A. Peter Eisenman: Trivellazioni nel Futuro. Torino: Testo&Immagine, 1996.